Pesquisa indica que Natal é um dos momentos da vida de maior irritação


Na contramão do clima festivo desta época do ano, não são poucos os que sentem deslocados; estudo aponta que nível de estresse do brasileiro sobe em média 75% na data
Por LETÍCIA FONTES
09/12/20 - 03h00
https://www.otempo.com.br/

Um estudo da Unifesp apontou que quase metade dos pacientes de UTI considerou que o evento mais estressante anterior ao problema de saúde foi o Natal

Foto: Pixabay

Pisca-pisca, árvore de Natal, panetone e, claro, uvas-passas. Há quem conte os dias para a chegada do combo natalino, mas para a tatuadora Juliana Veríssimo, 28, quando as luzes de dezembro começam a pipocar pelas ruas e pelo comércio é o início de um pesadelo: “É quase um despertador para mim, porque já sei que chegou a pior época do ano”, confidencia. Segundo os especialistas, Juliana não está sozinha nessa. Diferentemente do que o período sugere, poucas pessoas saem ilesas do fim do ano sem sentir uma tristeza ou algum grau de desconforto emocional.

Uma pesquisa conduzida pela International Stress Management Association (Isma), no Brasil, mostrou que o nível de estresse do brasileiro sobe, em média, 75% com a chegada do dia 25 de dezembro. Ainda de acordo com o estudo, a carga de ansiedade e preocupação durante as festividades natalinas é maior do que em qualquer outro período do ano.

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Para o doutor em psicologia social Cláudio Paixão, os motivos para a chamada “melancolia natalina” são variados. O luto pela morte de um ente querido, a perda de um emprego, uma separação, uma doença ou até mesmo a fadiga de um ano exaustivo e o estresse financeiro podem evidenciar uma realidade de que não se consegue afastar, por mais feliz e próxima do ideal que seja a reunião familiar.

“O Natal nos remete a um ciclo, é um encerramento de um período de vida. É um momento que você repassa o ano que você teve e revive as expectativas que não foram realizadas. Você muitas vezes vai se comparar aos outros, é um momento em que, às vezes, você não vai ter aquela pessoa querida com você mais e você vai ter que sofrer a pressão de uma sociedade que entende que é preciso estar junto e feliz nesta época”, observa o especialista. “A grande dificuldade é você ter que lidar com expectativas que não são só suas e que não dependem só de você”, enfatiza Paixão.

No caso de Juliana, a aversão ao Natal nem sempre foi assim. Quando era criança, ela gostava de passar a data com a família, mas, depois que os pais se separaram, o período passou a ser de estresse e dores de cabeça.

“Todo fim de ano esse é o assunto da minha terapia, porque eu tento, existe uma cobrança, mas eu tenho até raiva de quem é feliz no Natal e celebra o amor. Eu acho um período clichê e pouco verdadeiro, minha família nunca foi unida, então Natal sempre foi uma hipocrisia para mim. Eu precisava escolher com quem passava as festas de fim de ano, sempre alguém ficava magoado, e a culpa caía sobre mim. Eu já trabalhei em shopping nessa época também e não tenho boas lembranças; o importante é só gastar e vender, a última coisa que vejo no Natal é o respeito ao próximo”, avalia.

A designer de produto Isabel Macedo, 33, também não compartilha momentos felizes no Natal. E este ano tem mais uma frustração, de fundo econômico. Os filhos, de 7 e 11 anos, vão ter que ficar sem presentes. “Eu não vou poder dar nada, porque eu não tenho dinheiro. Eles adoram o Natal, eu tento ressignificar essa data por eles, mas é complicado para mim. Meu pai faleceu quando eu tinha 8 anos nessa mesma época. Eu lembro que junto com ele eu enterrei uns desenhos de Natal que fazíamos juntos”, recorda.

Diferencia tristeza de depressão

Não bastassem a “melancolia natalina” e o temido balanço de fim de ano, no Natal de 2020 a tristeza comum ainda dará lugar às consequências de uma crise na saúde e um futuro incerto. A pedagoga Dora Sousa, 38, conta que, mesmo nunca tendo gostado de Natal, neste ano vai ter que lidar com a perda da irmã e do cunhado, que faleceram em outubro.

“Sempre morei no centro de BH. Quando criança, minha mãe obrigava a gente ir à missa. A única recordação que eu tenho é das pessoas em situação de rua. Eu sempre me sentia culpada pelo aconchego, amor e fartura de presentes que eu tinha, e essas pessoas, não. Aquilo sempre foi muito cruel. Nunca me encaixei nessa data e agora muito menos”, desabafa.

Segundo a psicóloga Simone Felipe, esta época é o período em que as pessoas mais procuram profissionais em busca de ajuda psicológica. “Às vezes, elas não chegam de fato a procurar, porque tem o imaginário de que no ano que vem, ‘eu faço’, mas é um momento em que as pessoas percebem que precisam de ajuda. Sabemos também que nesse período é quando pacientes mais graves exigem um acompanhamento mais de perto, porque é uma época que desencadeia tristeza”, analisa.

A professora do departamento de psicologia do Centro Universitário Una, Isabel Pimenta Spinola, completa: é preciso separar o que é “melancolia de Natal” de uma depressão. “O Natal normalmente é quando sentimos mais as perdas. Este ano também já é atípico, estamos com mais dificuldade de visualizar um futuro. Vai ser um período mais difícil que o usual. Só que existe uma diferença de um sentimento que te acomete agora de algo que perdura, que paralisa e causa grandes prejuízos sociais e profissionais. Na dúvida, procure um profissional”, aconselha.

Saiba como não surtar com a “melancolia de Natal”

- Ajuste suas expectativas, essignifique suas experiências.“As pessoas precisam entender que nem tudo funciona da mesma forma para todo mundo. Tudo bem passar o Natal com os amigos ou sozinho. Respeite as suas emoções e as emoções do outro”, aconselha a psicóloga Simone Felipe.

- Cuidado com a sobrecarga de tarefas. Você não vai conseguir fazer no Natal o que não fez o ano inteiro. “O pensamento de que, quando chegar o Natal, você vai descansar e dar uma parada só vai gerar mais estresse e fadiga”, garante a psicóloga. Divida as tarefas da festa.

- Cuidado com os gastos. Endividar-se no Natal só vai fazer você começar mal o próximo ano. “Evitar a bebida em excesso é outro conselho, pois o álcool potencializa a tristeza, a ansiedade e a depressão”.

- Permita-se estar triste. “A tristeza, apesar de desagradável, é um sentimento importante, ela tem o poder de nos fazer refletir, avaliar nossa vida e provocar mudanças a partir disso”, ressalta Simone.